domingo, 12 de dezembro de 2010

Maçonaria secreta

O Vaticano é apenas um dos desafetos da maçonaria. Ao longo da história, a ordem colecionou inimigos com a mesma força que manteve seus segredos as 2 coisas, aliás, sempre estiveram diretamente ligadas. Pense na seguinte situação: sua vizinha está promovendo reuniões semanais na casa dela, mas não permite que você participe. Mais do que isso, ela se recusa a revelar o que está sendo discutido lá dentro. Se você tiver um mínimo instinto de paranóia e a maioria de nós tem vai achar que a dona está tramando contra você. A mesma lógica funciona para os maçons. Muitas das acusações contra a fraternidade começaram com perguntas do tipo se é tudo boa gente, então por que raios eles não revelam o que estão fazendo?

Assim, manter segredo mostrou-se uma ótima maneira de atrair desconfianças. Mas a verdade é que para além do mistério existe o fato de que as lojas maçônicas serviram, sim, de espaço para a agitação política. Seus ideais espelhados no iluminismo inspiraram e muitos de seus integrantes se engajaram em revoluções que chacoalharam o mundo, derrubaram governos e cortaram cabeças coroadas. Ser maçom nos séculos 18 e 19 era um pouco como ser de esquerda no começo do século 20. Em geral, eram pessoas liberais, receptivas a novas ideologias e preocupadas em reorganizar a sociedade, diz Andrew Prescott, diretor do Centro de Estudos da Maçonaria da Universidade de Sheffield, na Inglaterra. A conseqüência óbvia dessa atuação foi que a ordem freqüentou os primeiros lugares da lista de maiores inimigos das monarquias absolutistas. O efeito colateral indesejado foi que quanto mais a maçonaria era acusada de conspiradora pelos líderes aristocratas, mais ela se fortalecia. É uma espécie de autoprofecia que se cumpre. Se as lojas maçônicas eram apontadas pelos inimigos como o lugar em que revoluções eram planejadas, então era lá que os jovens revolucionários queriam estar, afirma Jasper Ridley.

A Revolução Francesa, por exemplo, fez da visão de mundo maçônica (liberdade para adorar qualquer deus, igualdade entre nobres e plebeus e fraternidade entre os membros do mesmo grupo) o mote do novo país que pretendia construir. E transformou uma música originalmente composta e cantada na loja maçônica de Marselha, em hino nacional rebatizado de La Marseillaise, A Marselhesa. Segundo Ridley, porém, são exageradas as afirmações de que a maçonaria liderou a revolução. Marat, ideólogo de uma das alas mais radicais da revolução, e La Fayette, o militar aristocrata que aderiu ao movimento popular, eram maçons. Mas Danton e Robespierre, os 2 mais importantes líderes da França após a revolução, não.

Mais ativa foi a influência na independência americana. Pelo menos 9 das 55 assinaturas da Declaração de Independência vinham da maçonaria, assim como um terço dos 39 homens que aprovaram a primeira Constituição do país. Benjamin Franklin, um dos principais articuladores da independência, era maçom até o último fio dos poucos (mas longos) cabelos que tinha. E George Washington, líder dos rebelados, teria aparecido de avental maçônico na cerimônia de lançamento da pedra fundamental da cidade que leva o seu nome. Hoje, há quem afirme que durante sua construção a capital americana foi recheada de símbolos maçônicos e, no mercado editorial, especula-se que a arquitetura da cidade será o ponto de partida para o próximo livro de Dan Brown O Código da Vinci. Talvez o autor também dê nova explicação para as imagens que decoram a cédula de 1 dólar, como o olho que tudo vê e a pirâmide luminosa, que parecem inspiradas na maçonaria uma ligação que nunca foi admitida pelos desenhistas da nota.

Ventos maçônicos também foram sentidos na América do Sul. Na loja Lautaro, que tinha braços espalhados pelo continente (o nome é homenagem ao índio que liderou uma revolta contra os espanhóis no século 16), costumavam se reunir Simón Bolívar, José de San Martín e Bernardo OHiggins, todos líderes da independência no continente. No Brasil, eram integrantes, entre outros, José Bonifácio de Andrada e Silva, o barão do Rio Branco e o príncipe regente e depois imperador Pedro I. Apelidado de Guatimozim, nome do último chefe asteca, D. Pedro teve ascensão meteórica na fraternidade. Foi iniciado em 2 de agosto de 1822 e promovido a mestre 3 dias depois. Menos de 2 meses mais tarde, já era grão-mestre da ordem no Brasil, cargo máximo que poderia atingir. Na mesma velocidade, passaram-se apenas 17 dias até que, já imperador, ele proibisse as atividades maçônicas no Brasil. A maçonaria é uma fraternidade e durante as sessões todos se tratam por irmãos e são iguais. Quando percebeu que nesse círculo ele poder ter seu poder questionado e não seria apenas o imperador, D. Pedro deixou a ordem e proibiu seus trabalhos, diz o historiador Marco Morel, da Uerj.

Nada que tenha afastado os irmãos das atividades políticas. Pior para os sucessores de Guatimozim: legalizada em 1831, grande parte da maçonaria se aliou ao movimento abolicionista, anticlerical e mais tarde republicano para forçar a queda da monarquia no Brasil. Apesar de existirem muitos maçons monarquistas e escravocratas, a luta contra o poder da Igreja colocou a organização na linha de frente da defesa de um estado laico, como o estabelecido em 1891 pela primeira Constituição republicana. Para os adversários, foi a comprovação do caráter conspirador da ordem. Os maçons diziam agir dentro de sua filosofia: lutavam por um país mais racional, e com ordem, que só assim chegaria ao progresso.

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