domingo, 23 de dezembro de 2012

Cirurgia sem cicatriz

Considerada a operação de terceira geração, a técnica é realizada através dos orifícios naturais do corpo. Permite uma recuperação mais rápida e é indolor, mas  os médicos garantem que ainda é necessário mais investigação

Uma nova técnica promete revolucionar a maneira de operar em todo o mundo. Ainda em fase de testes e com pouca experiência em doentes, esta cirurgia é feita através dos orifícios do corpo (vagina, boca, umbigo, uretra e ânus) sem a necessidade de qualquer corte no abdómen ou tórax. Resultado: não ficam cicatrizes. A técnica promete ser quase indolor e de recuperação mais rápida.

Um dos poucos casos aconteceu há um mês no Hospital Clínica de Barcelona, em Espanha, embora os resultados só tenham sido divulgados no início de Dezembro. Uma mulher de 43 anos, a quem foi diagnosticada um tumor gástrico de 8 cm, foi operada ao estômago com sucesso e o tumor retirado através da vagina. "Três dias depois já tinha tido alta e chegou a casa sem nenhuma marca", descreveu ao DN António Maria de Lacy, o chefe de equipa de Barcelona que realizou a operação.

"A cirurgia endoscópica transluminal por orifícios naturais, com a sigla NOTES, em inglês, pode ser considerada uma revolução. A cirurgia que antes era aberta evoluiu para cirurgia laparoscópica [feita através de orifícios abertos no corpo, ver infografia] e actualmente pretende-se que se faça por orifícios naturais, evitando qualquer incisão cutânea", avança Carla Rolanda, gastroenterologista e investigadora da Universidade do Minho neste campo.

"É uma técnica relativamente segura que permite realizar procedimentos no abdómen ou tórax, obtendo acesso através de via oral, rectal ou uretral", completa Jorge Correia-Pinto, do Instituto de Investigação em Ciências da Vida e da Saúde, da Universidade do Minho. "Estas técnicas consistem em perfurar a bexiga, o estômago, o recto ou cólon, ou a vagina. Utilizam-se instrumentos próprios (endoscópios) para realizar os diferentes procedimentos cirúrgicos", explica o médico e investigador.

No caso da mulher espanhola, a via de acesso foi transvaginal. "O acesso, fazendo um corte na parte superior da vagina e entrando no abdómen, já era utilizado antes para procedimentos ginecológicos. É por isso bem conhecida a sua segurança, tanto na criação como no encerramento no fim da intervenção", diz Carla Rolanda.

Para o especialista espanhol, esta técnica é o futuro. "Durante a operação, todos os instrumentos cirúrgicos foram introduzidos através da vagina para evitar incisões abdominais dolorosas. O método foi desenvolvido para alcançar melhores resultados do que a cirurgia laparoscópica, técnica ainda assim invasiva", diz António Maria de Lacy, chefe do Serviço de Cirurgia Gastrointestinal da clínica de Barcelona.

Embora os especialistas concordem tratar-se de um método inovador, ainda há aspectos que têm de ser limados com mais investigação. "A técnica NOTES terá uma implementação real no momento em que se consigam obter manipuladores mecânicos ou robóticos com maior amplitude e movimentos mais precisos. Há que empregar recursos na robótica", defende Maria de Lacy.

"O risco desta abordagem está associado à perfuração de órgãos como o estômago ou o cólon", diz ainda Correia-Pinto. "Na verdade, após perfurar estes órgãos para ganhar acesso ao abdómen, é necessário encerrar estes orifícios. Mas actualmente ainda não temos forma totalmente segura de encerrar estes orifícios que não seja fazendo incisões na pele, mesmo que laparoscópicas."

Por outro lado, "levantam-se questões relacionados com o impacto psicológico após realização desta abordagem. Ainda não há estudos sobre isso", adianta o médico.

Contornados têm ainda de ser os factores no plano ético. "É uma técnica imparável, mas não para já. Só daqui a cinco a dez anos. Os avanços neste campo têm de ser muito lentos, para não ferir susceptibilidades, sobretudo quando de fala da cirurgia através da vagina", defende também o gastroenterologista Hermano Gouveia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário