Doença pré-histórica
Fósseis de ancestral dos dinossauros que viveu há 245 milhões de anos encontrados em escavações na África do Sul revelam caso mais antigo de artrite em um ser vivo. A pesquisa foi realizada por uma equipe internacional, com a participação de cientistas do Brasil.
Reconstituição física do arcossauro acometido por artrite, feita com base na espécie ‘Erythrosuchus africanus’, animal maior e mais recente do grupo (arte: divulgação).
A artrite está longe de ser uma doença moderna. Há 245 milhões de anos os animais já sofriam com a inflamação das articulações. Foi o que comprovaram cientistas de vários países – três deles de instituições brasileiras – com a descoberta do caso mais antigo de artrite em um ser vivo, identificado a partir de fósseis encontrados na região do Karoo, na África do Sul.
O registro, raro para a paleontologia, foi obtido com base no estudo de um conjunto de vértebras fossilizadas de um arcossauro – ancestral dos dinossauros, crocodilos, aves e pterossauros – acometido por espondartrite, ou seja, artrite na coluna vertebral.
Vértebras de arcossauro que viveu há 245 milhões de anos revelam indícios de espondartrite (foto: divulgação).Para surpresa dos pesquisadores, o arcossauro superou em 100 milhões de anos a idade do dinossauro ao qual, até então, era atribuído o caso mais antigo da doença. O estudo foi publicado em outubro na revista PLoS One.
Segundo um dos autores do artigo, o paleontólogo Juan Cisneros, da Universidade Federal do Piauí, o arcossauro provavelmente tinha dificuldade de movimentar a coluna, correr ou mesmo caminhar, pois as vértebras da base da sua cauda eram comprometidas pela artrite.
“Os arcossauros se equilibravam usando a cauda e a movimentavam de um lado para o outro quando corriam”, conta o pesquisador. “Sem ela, o animal teria perdido a agilidade, fator importante para proteger seu território e conseguir alimento, podendo ter sido, inclusive, predado”, supõe.
Vulnerável, o animal teria morrido em decorrência – ainda que indireta – da artriteVulnerável, o animal teria morrido em decorrência – ainda que indireta – da artrite, doença que acomete, sobretudo, indivíduos de idade avançada. “As vértebras de tamanho grande indicam que se tratava de um animal velho”, diz Cisneros. “Por isso, a causa provável para a inflamação nesse caso é mesmo a idade”, completa.
Da África para o Brasil
Coletados em 2000, os fósseis só começaram a ser estudados cinco anos depois, quando se chegou à conclusão de que havia uma anomalia, algo como um inchaço, nas vértebras do arcossauro. Mas a doença propriamente dita só foi reconhecida no início deste ano, em um processo que começou na África do Sul e terminou aqui no Brasil.
A imagem das vértebras do arcossauro feita por tomografia de nêutrons evidencia a inflamação (mancha escura) no interior do fóssil (imagem: divulgação).Por meio de uma técnica conhecida como tomografia computadorizada de nêutrons, pesquisadores de Pretória, na África do Sul, conseguiram obter imagens mais nítidas do interior das vértebras.
“Esse procedimento é mais eficiente do que a ultrassonografia feita nos hospitais, na qual se vê o material por dentro a partir do reflexo do som”, compara Cisneros. “Aqui o princípio é o mesmo, mas não se usa a onda sonora, e sim, feixes de nêutrons”, esclarece.
Para começar, o material cujo interior se queria analisar foi colocado em um reator nuclear. Nele, as vértebras foram submetidas a um giro de 180º e fotografadas a cada grau. Terminada essa etapa, o material veio para o Brasil.
A partir das 180 fotos registradas, o paleontólogo Daniel Costa Fortier, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, produziu uma imagem tridimensional com a ajuda de um programa de computador desenvolvido para esse fim.
Foi com base nessa animação computadorizada que se confirmou o diagnóstico de espondartrite. Em seguida, a paleontóloga Uiara Gomes Cabral, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, estudou a doença em detalhe.
Juan Cisneros ressalta que a identificação de doenças em fósseis exige um olhar bastante treinado, para que uma patologia não seja confundida com características de uma nova espécie. Ele destaca ainda a importância da descoberta para a pesquisa sobre a origem da artrite.
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