Ouro, Incenso e Mirra: A simbologia dos Reis Magos e a farmacologia de seus régios presentes
"Partiram de suas terras e, guiados pela luz de uma estrela resplandecente, chegaram à gruta, em Belém, na Judéia, para adorar o filho de Deus que havia nascido, ofertando-lhe régios presentes: Ouro, Incenso e Mirra." Relato da jornada dos Reis Magos, Evangelho de Mateus, Capítulo 2
O enigma que envolve essa narrativa bíblica tem ensejado infindáveis reinterpretações, ao longo dos tempos. Conhecida, em sua forma mais popular, como a "Adoração dos Reis Magos", essa passagem da Escritura Sagrada é fonte de inspiração às mais variadas manifestações nas letras e nas artes, contribuído para o desenvolvimento de tradições populares, as mais diversas (1). As propriedades químicas e farmacológicas das três dádivas ofertadas: ouro, incenso e mirra, há 5.000 anos já eram explorados na Alexandria, pelos egípcios. Atualmente cientistas de várias partes do mundo têm desenvolvido estudos que comprovam a eficácia de seus usos e propõe novas aplicações na medicina para os régios presentes.
A designação "Mago" era dada à classe dos sábios ou eruditos, cada um representava um continente. Segundo a lenda, Rei Melquior, o mais velho, trouxe da Ásia o ouro. Rei Gaspar, o mais jovem dos Magos, da Europa trouxe o incenso. O último a chegar foi Rei Baltazar, da África o Rei Negro trouxe a Mirra. As prendas doadas à época do nascimento do Menino Jesus eram sagradas, simbolizavam a realeza, divindade e a imortalidade do novo Rei.
O ouro é um elemento químico amarelo (Au), muito utilizado para banhar outros metais, como moeda e em restaurações dentária. Em muitas aplicações clínicas, encontra-se na forma de sais. Já o incenso e a mirra são resinas, secreções sólidas e semi-sólidas produzidas por plantas e árvores e estão entre algumas das mais antigas citações de produtos naturais.
Ouro - De acordo com a "Breve história dos usos medicinais do ouro"(2), publicada pelo site do Laboratório de Química do Estado Sólido (http://lqes.iqm.unicamp.br), da Universidade de Campinas (Unicamp), no link Cultura da Química, os mais antigos registros sobre o uso medicinal do ouro vêm da Alexandria. Os egípcios ingeriam o ouro para a purificação da mente, corpo e espírito, acreditavam no poder místico do metal, que presente no corpo poderia estimular, rejuvenecer, além de curar uma série de doenças, bem como restaurar a juventude e a saúde perfeita. Para esta finalidade os alquimistas de Alexandria desenvolveram um "elixir", feito de ouro líquido.
Na Roma antiga, pomadas (ungüentos) feitos com ouro eram usadas para o tratamento de úlceras na pele. Hoje em dia, finas folhas de ouro têm papel importante no tratamento de úlceras crônicas. Já na Europa medieval, as "águas de ouro" e as píluas revestidas de ouro eram extremamente populares para confortar os afetados por dores nas pernas. O uso do ouro em pó para combater dores causadas pela artrite foi passada através dos séculos, tendo sua eficácia confirmada por pesquisas da medicina moderna para o tratamento da artrite reumatóide.
Michel Faraday (1791-1867), renomado químico inglês, em 1857, após estudar os trabalhos sobre o ouro de Paracelso (1493-1541), alquimista e médico suíço, fundador da escola de Iatroquímica - a química da medicina, a qual é percursora da farmacologia - preparou o ouro coloidal em estado puro, e muitos usos foram encontrados para suas soluções de "ouro ativado". No século XIX, nos Estados Unidos, foi comumente usado no combate ao alcoolismo, hoje age também na dependência de cafeína, nicotina e carboidratos. O ouro coloidal aumenta a acuidade mental e a habilidade de concentração, pelo aumento da condutividade entre terminais nervosos no corpo e na superfície do cérebro. Tem seu uso atribuído para tratar de pacientes com desequilíbrios da mente como depressão, transtornos afetivos, memória fraca e défict de atenção.
A crisoterapia, ou terapia áurica, conhecida também como medicina pelo ouro, remontam aos trabalhos do bacteriologista Robert Koch (1843- 1910), que recebeu o Prêmio Nobel, em 1890, graças à descoberta de que compostos feitos à base de ouro, como por exemplo o tetracianoaurato de potássio, eram capazes de inibir o crescimento do bacilo causador da tuberculose (mycobacterium tuberculosis), conhecido inclusive como bacilo de Koch (BK).
Nos dias atuais, os cientistas vêm investindo pesado em pesquisas. Três das principais empresas mineradoras norte-americanas, juntamente com a Mintek (África do Sul) participam do projeto AuTEK, cujo objetivo é propor novas aplicações para o ouro (3). O investimento é alto, em cinco anos já foram empregados mais de 60 milhões de dólares, o equivalente a cerca de 13 milhões de reais. O braço biomédico da AuTEK está interessado em moléculas ativas contendo ouro em sua formulação.
A AuTEK Research colocou-se a frente para a formulação de medicamentos contra tumores, AIDS e malária. Complexos catiônicos de ouro I contam com uma vantagem em relação aos medicamentos antitumorais já comercializados (à base de platina - carboplatina e cisplatina), pois agem ao nível das mitocôndrias. O ourotiomalato de sódio ou a ourotioglucose conseguiram inibir significativamente a ação do vírus HIV. Já as pesquisas com a malária ainda estão no início.
Como ainda não foi descoberta a "pedra filosofal", que possibilitaria a multiplicação do ouro (Au), o uso na farmacologia do "mais nobre dos metais" está limitado pelo seu custo. Os medicamentos feitos a base de ouro estão entre os mais caros já produzidos.
Incenso e Mirra - O Incenso e a Mirra estão entre os produtos mais antigos comercializados pelo homem. Foram dois dos presentes ofertados pelos três Reis Magos a Maria quando Jesus Cristo nasceu em Belém na Judéia. São duas resinas que merecem especial destaque por estarem entre algumas das mais antigas citações de produtos naturais. Estão localizadas em textos tão antigos que remontam ao início da história escrita e nos ajudam a entendê-la (4).
Segundo o estudos "Incenso e Mirra: resinas preciosas", a palavra Incenso em português pode tanto se referir a resina natural, extraída principalmente de plantas das famílias Burseracereae, Estiracaceae e Anacardiaceae, como as preparações nas quais são adicionadas essências às resinas naturais para aumentar o aroma exalado durante a queima.
O Incenso ou Olíbano é uma resina extraída por incisão do tronco de árvores da família Burseraceae, que se recolhe do tronco depois que a resina seca e endurece. O incenso genuíno era obtido de plantas do gênero Boswellia. O comércio de incenso era sagrado, cheio de riscos e lendas. Havia a lenda que cada árvore de olíbano - Boswellia serrata - era guardada por bandos de pequenas serpentes aladas, que só podiam ser afastadas das árvores com a fumaça produzida pela queima do estoraque, bálsamo extraído da resina produzida por arbustos da família das Estiráceas.
As primeiras evidências arqueológicas da queima de incenso datam dos primeiros reinados do Antigo Império Egípcio onde foram encontrados queimadores de incenso em formato de colheres grandes. Recentemente, um grupo de cientistas ingleses identificou por cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas e por técnicas de pirólise os ácidos a e b-boswélico e seus derivados acetilados em amostras amorfas de incenso que datam aproximadamente de 400 a 500 DC, que foram coletadas durante escavações na adega de uma casa, na região fronteiriça a Qasr Ibrim, no extremo sul do Egito (5). Estes ácidos triterpênicos são os principais constituintes das gomo-resinas aromáticas de espécies do gênero Boswellia (6). Nas mesmas escavações foram encontradas resinas ricas em diterpenos ácidos tricíclicos, como o ácido isopimárico, abiético e di-hidroabiético, característicos de resinas da família Pinaceae. Esta é a primeira vez que resinas ricas em triterpenos e ricas em diterpenos são encontradas na mesma localidade.
Da mirra obtida de Commiphora molmol foram identificados os sesquiterpenos 1,3-dieno furoeudesmano, curzareno e furodieno, sendo o primeiro o mais abundante (7). O 1,3-dieno furoeudesmano e o curzareno apresentaram atividade analgésica que é bloqueada pelo naloxona. Isto pode explicar porque a mirra era usada antigamente como analgésico, provavelmente substituída pelos derivados do ópio.
O óleo de mirra, através da destilação a vapor, é extraído da resina da planta, geralmente cultivada na Somália, África e Etiópia. É muito usado na aromoterapia como um tonificante energizante. A mirra é uma das mais antigas resinas conhecidas como fixadora de perfume. Possui um aroma típico Balsâmico. Suas principais combinações são com o cravo, olíbano, lavanda, patchouli e sândalo. Antigamente era utilizada como moeda para trocas por sedas e ouro. No Japão, Tibet e Índia é usada como incenso, por monges para atingir um estado meditativo claro.
Os principais constituintes da mirra são o dipenteno, eugenol, limoneno e pineno. O óleo de mirra possui propriedades anti-sépticas, repelente, antiinflamatória, emoliente, desodorante, adstringente, desinfetante, diurético e antivirotico. Protege contra rachaduras provocadas pelo frio, ajuda a eliminar o excesso de muco nos pulmões. Usada também na bronquite diarréia, resfriados, dores de garganta, tosse, gengivites, úlceras bucais entre outras enfermidades. Não pode ser usado indiscriminadamente, tem contra-indicações, especialistas alertam que o óleo de mirra deve ser usado com moderação durante a gravidez, preferencialmente deve evitado, devido ao risco de hemorragias
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