domingo, 9 de novembro de 2014

Emergência a bordo

     


Por Ernesto Lippmann*
É uma situação comum. Você está no avião, um passageiro se sente mal, a comissária solicita um médico. E a partir daí, surgem muitas dúvidas: O médico é obrigado a atender? O que diz a ética médica? O médico pode cobrar pelo serviço prestado a bordo? De quem? Do passageiro ou da empresa aérea? Quais são os casos mais comuns de atendimento a bordo? E se houver algum erro, o doutor é responsável? Como as empresas aéreas agem em casos de passageiros que passam mal no avião?
É algo desagradável, mas pode acontecer com qualquer um. Neste post, vamos conhecer seus direitos como passageiro e as obrigações do médico nesta situação, e vamos mostrar um pouco como cada empresa aérea vê este tipo de ocorrência. Além destes pontos vamos mostrar quais são os problemas de saúde a bordo que podem comprometer sua viagem e como evitá-los. Também vamos mostrar quais são os procedimentos que devem ser seguidos por aqueles que não estão bem de saúde mas precisam viajar. Boa viagem, e apertem seus cintos!
1. Problemas mais comuns de saúde a bordo
Cada vez mais pessoas viajam de avião. Enquanto você lê este post, há 600.000 pessoas voando em aviões comerciais. Imagine numa cidade deste porte, quantos habitantes estariam doentes? E seria possível imaginar que não houvesse qualquer hospital para atendê-los? E se esta “cidade” fosse um ambiente insalubre, que pode agravar diversos problemas de saúde?
É exatamente isto que ocorre quando você viaja, devido às condições da cabine de passageiros dos aviões, que tem sua pressão mantida artificialmente, a chamada pressurização, além de níveis de oxigenação e umidade mais baixos do que os que encontrados em terra, especialmente nos aviões mais novos que recirculam parte do ar interno, ao contrário dos primeiros jatos, onde o ar era renovado constantemente.
Outros decorrem da precarização da condição da classe econômica, em lugares cada vez mais apertados, que agravam problemas circulatórios, como as tromboses e as embolias a bordo.
Este problema é agravado pelo alcance cada vez maior das aeronaves, sendo comuns voos cada vez mais longos, que chegam a representar mais de 14 horas sem escalas, podendo levar a trombose venosa profunda (TVP) e sua mais temível consequência, a embolia pulmonar, decorrente do surgimento de coágulos de sangue nas veias das pernas, que podem viajar pela corrente sanguínea até se fixarem no pulmão, o que pode ser fatal.
É fato que o número de atendimentos a bordo vem crescendo, e “a cada dia ao menos uma emergência médica ocorre em voos comerciais que saem do Brasil, ou chegam ao pais, em casos que vão de desmaios a paradas cardíacas (….) Em 2013 foram 371 casos em voos internacionais em que o Brasil foi origem ou destino; duas pessoas morreram. No mundo, a empresa Medaire, líder do setor, fez 28.866 atendimentos médicos, 79 por dia – houve cem mortos . E estes números não incluem os voos domésticos.
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2. Evitando problemas de saúde a bordo.
Para evitar os problemas de saúde mais comuns a bordo, se recomenda não viajar em regra pelo menos 15 dias depois de procedimentos cirúrgicos, inclusive aqueles realizados por dentistas, salvo se autorizado pelo médico. Também se recomenda não voar quando estiver com intensa congestão nasal ou diagnóstico de sinusite aguda e/ou otite média, não fumar antes de embarcar, beber líquidos durante a viagem, se movimentar o máximo possível dentro do avião e em voos mais longos usar meias compressoras, e evitar roupas muito apertadas.
A dra. Vânia Elizabeth Ramos Melhado, presidente da Sociedade Brasileira da Medicina Aeroespacial (SBMA) e professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, e da cartilha “Doutor, posso viajar de avião?”, onde são detalhadas várias condições de saúde e suas restrições para viajar, recomenda também uma dieta com poucas fibras um dia antes da viagem (pois sempre há a o desagradável fenômeno da expansão de gases), tomar bastante líquido, escolher roupa confortável, usar meia elástica e fazer exercícios com os pés para evitar a trombose, associada à imobilidade por muitas horas seguidas. “As pessoas ligam o péssimo hábito de tomar bebida alcoólica a uma sensação de relaxamento, mas estão piorando a situação. O ambiente é seco, frio e desidrata.”
O cardiologista Sérgio Timerman, diretor do comitê de emergências cardiológicas da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), esclarece que problemas como pneumonia, doença pulmonar obstrutiva crônica, asma aguda, pneumotórax e doença cardíaca podem agravar o quadro de hipóxia (baixa de oxigênio) e devem ser objeto de consulta prévia com o médico.
3. Passageiros com problemas especiais de saúde, trâmites para o embarque e necessidade de autorização
Os passageiros que tenham condições especiais de saúde, que precisam de atendimento especial por questão de saúde, ou tenham condições que possam se agravar a bordo, ou tenham necessidades especiais e precisam voar com acompanhante, devem preencher o formulário de informação médica (MEDIF que está disponível nos sites de todas as empresas aéreas) e estão sujeitos a aprovação prévia da empresa para poderem viajar, o que ocorre quando o passageiro:
- Sofre de alguma doença que seja contagiosa;
- Possa desenvolver qualquer comportamento ou condição física incomum, que possa gerar efeito adverso ao bem-estar e conforto de outros passageiros ou da tripulação;
- Precise de atenção médica ou equipamentos especiais para manter sua saúde durante o voo (oxigênio ou maca);
- Possa ter sua condição médica agravada durante ou por causa do voo;
- Necessite de acompanhamento médico ou de tratamento médico a bordo.
Segundo o site da TAM, os problemas de saúde geralmente considerados inaceitáveis para uma viagem aérea são:
• Anemias severas
• Otite média e sinusite aguda
• Doenças contagiosas ou infecciosas ativas
• Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC) ou outras patologias cianóticas descompensadas
• Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) com menos de 6 semanas
• Doença respiratória grave ou pneumotórax recente
• Lesões gastrintestinais que podem causar hematêmese, melena ou obstrução intestinal
• Pós-operatório recente (10 dias para operações abdominais simples e 21 dias no caso de cirurgia torácica ou cirurgia invasiva nos olhos sem uso de laser)
• Fraturas de mandíbula com imobilização (a menos que esteja com acompanhamento profissional) • Doença mental instável (a menos que esteja viajando com acompanhamento profissional e devidamente medicado para a viagem)
• Doença epiléptica não controlada (a menos que esteja viajando com acompanhamento profissional)
• Gestantes com mais de 35 semanas e multíparas com mais de 32 semanas
• Crianças com menos de 7 dias de vida
• Introdução recente de ar em cavidades do corpo para fins diagnósticos ou terapêuticos (nos últimos 7 dias)
As pessoas portadoras de necessidades especiais, tem seus direitos previstos na Resolução 280 da Anac, que vale apenas para voos nacionais, mas que também se aplica a gestantes, lactantes, pessoa acompanhada por criança de colo, ou qualquer pessoa que por alguma condição específica tenha limitação na sua autonomia como passageiro, inclusive devido a problemas temporários de saúde.
Se houver necessidade de um acompanhante, em função de problemas de saúde, ou de necessidades especiais para aquele que viaje em maca ou incubadora; em virtude de impedimento de natureza mental ou intelectual, não possa compreender as instruções de segurança de voo; ou não possa atender às suas necessidades fisiológicas sem assistência, a Resolução estabelece que deve ser dado desconto de 80% sobre a tarifa do passageiro que necessita de assistência, sendo que nestes casos a GOL oferece 100% de desconto sobre a tarifa. A Azul também informa sobre estes procedimentos no seu site e a Avianca informa que não transporta passageiros em maca, nem admite o uso de oxigênio medicinal a bordo. O site da TAM não traz qualquer informação à respeito.
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4. Casos mais comuns de atendimento a bordo
Segundo o New England Journal of Medidicne, que revisou as chamadas de emergência a bordo de cinco companhias aéreas, de 1 Janeiro de 2008 a 31 Outubro de 2010. Os problemas mais comuns foram a síncope ou pré-síncope (37,4%), sintomas respiratórios (12,1%) e náuseas ou vômitos (9,5%).
Passageiros médicos prestaram assistência em 48,1% das emergências médicas a bordo e 7,3% dos voos foram desviados. De 10.914 pacientes, 25,8% foram transportados para um hospital, 8,6% foram internados e foi observado óbito em 0,3% dos casos. Os motivos mais comuns de admissão foram provável acidente vascular cerebral, sintomas respiratórios e sintomas cardíacos.
5. O dever de prestar socorro do médico.
O Código de Ética médica é claro no sentido de que, havendo necessidade, o médico que estiver a bordo deve atender ao chamado do comissário. É disto que trata o princípio fundamental VII, e o artigo 7 do Código de Ética Médica, que afirmam:
VII – O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.
Art. 7º Deixar de atender em setores de urgência e emergência, quando for de sua obrigação fazê-lo, expondo a risco a vida de pacientes, mesmo respaldado por decisão majoritária da categoria.
A falta de atendimento do médico a bordo, pode assim configurar infração ética, e até mesmo a possibilidade do profissional responder pelo crime de omissão de socorro, mas o médico não tem o dever de prontidão quando embarca na condição de passageiro em voo comercial.
5.1 Dever de prontidão do médico
O dever de prontidão e de atendimento do médico é inerente à sua condição profissional. Assim, o médico que se encontra de plantão num hospital tem o dever de atender numa situação que represente um risco à vida. Já ao embarcar como passageiro, o médico não tem o mesmo dever de prontidão que teria num ambiente profissional na cabine de um avião, na qual viaja como passageiro pagando sua passagem. Isto significa que num ambiente profissional o médico deve estar descansado e com seu raciocínio apto a realizar julgamentos profissionais, o que pode não ocorrer quando viaja.
Como fica a situação do médico que embarca num voo internacional, após trabalhar num plantão de 48 horas e tomar dois copos de vinho para relaxar? Ele provavelmente não estará com condições adequadas para atender e, ao meu ver só deve atender se for o único a bordo, e ainda assim informando estas condições ao paciente.
É ilegal que o médico beba a bordo? Ou que tome um ansiolítico para dormir? E, se nestas situações ele não se sentir capacitado a atender? Como veremos, nestas situações não há infração ética, nem omissão de socorro.
5.2. Omissão de socorro a bordo
Dispõe o art. 135 do Código Penal ser crime “Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:
Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.
Parágrafo único – A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.
Segundo os tribunais, a caracterização e a punição deste crime dependem da constatação do dolo pelo juiz, ou seja: para que o médico seja considerado culpado do assunto, deve ter consciência da ilicitude. Isto significa que ele deve saber que está contrariando o direito, ou seja, ter consciência das exigências objetivas de cuidado que é necessário que ele proporcione.
Assim, os casos de médicos condenados por omissão de socorro ocorrem nos hospitais, em situações nas quais os profissionais estavam contratados para trabalhar e conscientes da necessidade de atender e se recusam a tratar do paciente. Não localizei qualquer julgado que tratasse de questões ou acusações de omissão de socorro ocorridas no interior de aeronave, nas pesquisas que fiz.
Dessa forma, o médico que estiver dormindo na sua poltrona e não ter ouvido o chamado, ou até mesmo alegue tal fato, dificilmente será condenado por este crime. Além disto, trata-se de crime de menor potencial ofensivo, possibilitando a concessão de benefícios previstos na Lei 9.095, como a transação penal (artigo 76) e ainda o sursis processual (artigo 89), ou seja, na prática um médico não irá para a cadeia por deixar de atender alguém a bordo. Mas, há alguns pontos que merecem ser aprofundados como a questão ética e responsabilidade do médico.
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5.3 Eticamente o médico deve atender ao chamado
Eticamente não há dúvida: o médico deve atender assim que convocado pela tripulação. Esta é a posição oficial do Conselho Federal de Medicina, que fiscaliza o exercício da Profissão de Médico, pois o médico é médico é obrigado a seguir o Código de Ética Médica.
E se ele não for observado, qualquer paciente pode representar ao CRM o chamado processo ético disciplinar, que apurará se o médico agiu corretamente e de acordo com a ética médica. Neste processo tanto o médico pode ser considerado inocente quanto culpado, com penalidades que vão desde uma advertência até a perda de sua licença para praticar a medicina.
O Código de Ética Médica é claro quanto ao dever do médico de atender numa situação de emergência, ou mesmo do simples pedido de paciente a bordo, pois o alvo ético da profissão de médico toda a sua atenção é a saúde do ser humano, sendo que se houver mais de um médico a bordo, deve ser dada preferência ao que tiver a especialidade mais próxima daquela requisitada pela necessidade do paciente.
No processo Consulta CFM nº 5.353/96 foi decidido que “o médico, quando chamado a prestar assistência a bordo de aeronaves, tem o dever ético e a obrigação legal de fazê-lo, cabendo a princípio cobrar ao paciente o atendimento realizado”
Segundo o parecer do CFM, “a boa norma condiciona o médico a apresentar-se sempre que for solicitado a identificar-se profissionalmente, especialmente sendo ele o único da área de saúde presente na aeronave. É seu dever não se omitir ao chamamento para atender uma intercorrência médica a bordo.
Estatisticamente, é do conhecimento de todos que os distúrbios habituais verificados durante um voo costumam ser de pouca ou quase nenhuma gravidade, sendo muito rara a constatação de grave distúrbio à saúde ou mesmo a ocorrência de óbito.
A propósito, não faz muito tempo a imprensa divulgou a proeza de dois médicos ingleses que realizaram, em pleno voo, drenagem de hemitórax de um passageiro, após diagnosticarem pneumotórax hipertensivo. Com certeza, este procedimento só foi possível graças à presença de médico a bordo e a adoção de uma conduta correta, embora improvisada, no momento oportuno, salvando uma vida. O mesmo poderia ter ocorrido, por exemplo, caso se constatasse edema de glote em um passageiro, cuja medida heróica e impostergável seria a realização de uma traqueostomia.
Certamente, ao se deparar com esta modalidade de afecção, o médico, prudentemente, sabedor da falta de equipamentos indispensáveis a bordo para realizá-la, deverá em primeiro lugar optar por sugerir mudança de rota e pouso no aeroporto mais próximo. Não sendo possível a alternativa citada e levando-se em conta a gravidade da situação, agregados os atenuantes que o caso requer, na dependência, ainda, do nível de resolubilidade do profissional, poderá ele assumir a responsabilidade pelo ato comissivo que venha a praticar.”
5.4 Especialidades médicas não familiarizadas com urgências
Geralmente quando se chama o médico a bordo é para algo que seja grave, ou que se supõe ser grave, mas nem todo médico trata com emergências e urgências, e nem mesmo necessita ter prática clínica. Há diversas especialidades que não atuam em casos envolvendo problemas clínicos de urgência como reumatologistas, radiologistas, dermatologistas, psiquiatras, médicos legistas e peritos previdenciários, dentre outros.
Segundo uma reportagem da Revista Isto é “no ano 2000, por exemplo, a Agência de Administração de Aviação Americana registrou uma média de 15 emergências por dia. Nos casos mais graves, houve desvio de rota para providenciar atendimento hospitalar. “Um dos dados mais impressionantes desse estudo é que, apesar de haver médicos a bordo em 85% dos voos registrados, menos de 1% sabia realizar os procedimentos de ressuscitação cardiopulmonar”, explica o cardiologista Sergio Timerman .
Nestes casos, a preferência deve ser dada ao médico que tenha uma especialidade que seja compatível com o quadro clínico do passageiro. Todavia, não havendo especialista disponível, o médico presente deve fazer o seu melhor, ainda que não se sinta familiarizado com o procedimento, como por exemplo um psiquiatra cuidando de um cardíaco grave, que deve prestar o atendimento, sob pena de ser processado por omissão.
5.4. Falta de proteção para evitar a contaminação do médico
O médico não é obrigado a atender com risco de sua própria vida, se houver risco dele ser contaminado com doença infecto contagiosa, e não houver material de proteção a bordo, o que vale inclusive para a atual epidemia do Ebola.
6. Responsabilidade profissional do médico que atende a bordo
O médico, como regra geral, responde pelo serviço prestado de forma inadequada, do qual resulte o agravamento de saúde do paciente, ou pela perda de uma chance de tratamento, como em qualquer atendimento, caso em que pode ser cobrada uma indenização do médico.
Naturalmente, as peculiaridades de cada caso precisam ser consideradas para se aferir a eventual culpa do profissional, como a questão da falta de meios de diagnóstico auxiliares no avião como laboratórios, raios X, tomógrafos, etc. e de materiais e condições para procedimentos cirúrgicos.
O médico também pode estar cansado, ter dificuldades em compreender o idioma do passageiro, dentre outros problemas que podem dificultar o atendimento a bordo, e diferenciá-lo para fins de responsabilização daquele que é prestado em um hospital.
Nestes casos, não se exige que o médico seja um herói, ou aja com perfeição, especialmente se o atendimento é feito em uma especialidade diferente daquela em que o médico costuma atender. A eventual responsabilização do médico que foi forçado, por ser o único a bordo a atender, numa área na qual não tem prática, nem familiaridade com o problema de saúde do paciente deve ser vista com a máxima prudência pelo Judiciário, pois se houver uma responsabilização excessiva do médico, a tendência é de que estes profissionais, para se protegerem, passem a não atender aos chamados, em especial quando não forem familiarizados com emergências.
7. Responsabilidade pelo pagamento de honorários médicos, e pelo atendimento prestado ao paciente
O médico não tem a obrigação de trabalhar gratuitamente, nem as empresas aéreas têm o dever legal de prestar serviços médicos a bordo. Para a companhia, o médico é tratado como um voluntário e as empresas reiteram que não têm qualquer responsabilidade, seja pelo pagamento do médico, seja pelo tratamento oferecido, no que do ponto de vista jurídico têm razão.
A empresa só terá responsabilidade sobre o ocorrido, se o médico decidir que é o caso de interromper o voo para que o paciente seja encaminhado a um hospital e o comandante recusar o pedido, desde que haja um aeroporto disponível para pouso.
Assim, a responsabilidade pelo pagamento dos serviços do médico é sempre do passageiro que sofreu o atendimento e cabe ao médico valorar os seus serviços, e apresentar a cobrança que entende como devida.
Caso o paciente não concorde com o valor, caberá ao médico ajuizar uma ação contra o paciente, e o juiz avaliará o valor correto a ser pago pelos serviços, tendo-se por base os valores cobrados no mercado pelo procedimento.
A empresa aérea não tem qualquer responsabilidade sobre este atendimento, embora muitas tripulações, por cortesia, e quando seja possível, agradeçam o médico que atendeu, com um upgrade para uma classe superior, o que parece ser algo adequado.
8. Empresas aéreas que prestigiam o médico a bordo
Duas empresas prestigiam o médico a bordo, a Lufthansa no seu programa “Doctor on board”, que oferece bônus de milhagem, descontos especiais em passagens, cursos de medicina a bordo a preços reduzidos e seguro contra eventuais processos ocorridos em atendimentos a bordo, salvo no caso de culpa grave. A Turkish Airlines também tem um programa semelhante, o Smiling Doctors.
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Certamente você será melhor atendido se tiver uma emergência a bordo de uma destas empresas, pois haverá maior facilidade em localizar o médico, e menor receio deste em atender ao paciente, devido ao seguro contra processos que é oferecido por estas empresas. Fica a sugestão às empresas nacionais para que copiem estes programas e privilegiem os médicos pela sua atuação dentro de seus aviões.
9. Treinamento dos tripulantes
A formação em primeiros socorros faz parte das matérias do curso de comissário de bordo, e todas as empresas consultadas enfatizam que realizam treinos adicionais para casos mais complexos como paradas cardiorrespiratórios.
Além do kit de primeiros socorros, as aeronaves da Azul, da Gol, e de todas as empresas que voam para os Estados Unidos, onde é obrigatório por lei, e grande parte das empresas europeias dispõem de aparelhos conhecidos como DEA (Desfibrilador externo automático), utilizado em casos de vítimas inconscientes em parada cardiorrespiratória. Todos os voos com estes equipamentos têm comissários aptos a operá-los, em caso de necessidade, caso não haja um médico presente.
A TAM dispõe de suporte médico remoto em voos internacionais por meio da MedAire, (medaire.com) empresa internacional de gerenciamento de risco médico em aviação civil, que possui expertise aeronáutica em apoio médico remoto pré e durante voo, e orienta a tripulação e o médico voluntário mediante contato por rádio que é feito entre o médico que atende no avião e um especialista na sede da empresa.
10. Uma proposta de alteração de lei, em favor do passageiro
É natural que frente à judicialização da medicina, ou seja a tendência cada vez maior dos pacientes em questionarem o trabalho dos médicos perante a Justiça, especialmente quando o atendimento resulta em falecimento do paciente, haja receio do médico em atender ao chamado do “médico a bordo”.
Uma das conclusões que faço é a necessidade de que haja um seguro pago pelas empresas aéreas, que se de um lado não têm responsabilidade pelo atendimento a bordo, de outro devem proporcionar um seguro para que o médico que atende não tenha que responder por um processo, salvo no caso de culpa grave.
O medo de ajudar e ser processado é real por parte do médico. Pela minha experiência profissional – sou advogado – o médico que é processado é sempre um perdedor. Além o stress que é decorrente da situação de ser réu numa ação judicial, deve pagar os custos do advogado, do seu assistente técnico, ou seja do médico que irá mostrar do ponto de vista técnico ao juiz se sua atuação foi correta, e dificilmente conseguirá o reembolso destes valores, mesmo quando é declarado pelo juiz que seu atendimento foi o correto e que ele fez o possível.
Assim, acredito que o artigo 281 do Código Brasileiro do Ar, que já estabelece o seguro obrigatório de responsabilidade civil para os passageiros no caso de acidente, deveria ter um item adicional que tornasse obrigatório o seguro da responsabilidade financeira sobre o questionamento do médico ou profissional de saúde que atendesse a bordo, salvo no caso de culpa grave. Trata-se de algo com um custo irrisório, mas com um grande benefício social.
A adoção deste seguro traria maior segurança para que os médicos atendessem e aumentaria a resposta aos chamados. Levo também a sugestão para que nossas empresas adotem programas como o da Lufthansa e da Turkish Airlines, que prestigiam o médico a bordo, realizam este seguro, e garantem o rápido atendimento do passageiro.
E você, achou úteis as informações deste post? Se gostou, compartilhe! E, relate a sua experiência nos comentários. Já teve que ser atendido a bordo, como foi? E os leitores que são médicos poderiam contar como foram suas experiências profissionais?
*Ernesto Lippmann, conhecido como o Pato Econômico, é advogado e autor de vários livros na área do Direito, mas também é especialista em dicas fantásticas para economizar nas viagens mundo a fora.

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