sexta-feira, 1 de agosto de 2014

O vazio como explicação para a vida



Zagreus

“Será possível que a existência seja nosso exílio e o nada nossa casa?” - Emil Cioran
zenEra uma vez... Não, não. Não era uma vez. Ou melhor, era uma não vez... É difícil contar uma história sem crer numa aproximação dogmática do tempo. Sem mesmo crer no tempo. A matemática é uma inválida aproximação abstrata que se recusa a conhecer os elementos não-exatos da existência. Com isso ela corrompe a Física e, conseqüentemente, o tempo. Mas abrimos mão de uma perfeita abrangência para que possamos processar a informação. Por isso calculadoras não podem tomar ácido lisérgico. Bom, esqueça o início. Ele só tem utilidade em contos infantis e Ciência Histórica Positivista. Lembra daquela reta que a velha e empoeirada professora de História fazia no quadro pra explicar o Império Otomano? Então, se já lembrou, trate de deletar. Engraçado pedir isso, eu sei. Fazê-lo lembrar algo que queremos que esqueça em seguida. Tanto faz. Apenas mantenha em mente que datas e “quem comeu quem” no campo de batalha não têm o menor valor senão à Ciência Política.
O tempo é cíclico e infinito. Onde é o começo do infinito? Hã? Só porque o último dos adãos irá perecer em algum momento vindouro, não significa que o tempo acabará com ele. Na verdade, isso mostra que o tempo nem existe independentemente do homem. Ele somente é uma explicação mediocrizada de um abstrato conjunto de sucessão dos fatos. Aliás, quer saber, vamos começar essa história do meio. Pois bem, no meio existia o vazio. Só o vazio. Você sabe o peso dessa palavra? Não, não sabe não. E por quê? Simplesmente porque para nós e nossas mentes binárias, tudo contém ou está contido. Obviamente, ao tentarmos definir o vazio, negligenciaremos algumas condições e características em função de outras. E aí a gente acaba mediocrizando, igual fez-se com o tempo. Talvez uma biológica definição de vazio venha da psiquiatria: Vazio – condição humana descrita como sentimento de falta de propósito ou inabilidade de sentir emoções; situação em que certas perdas na vida de uma pessoa sobrecarregam o foco mental e emocional de forma obsessiva e subconsciente. Eh... Não, não. Não serve.
Eu não acredito na Psiquiatria. Eu acredito na existência de uma Realidade Consensual e na sua imposição. Nisso eu acredito. E levar em consideração a psiquiatria é negar a imposição da Realidade Consensual, podendo me causar sérios danos cerebrais num paradoxo paradigmático. Taí, achei! O vazio é um paradoxo paradigmático. Fica até bonito de se ler.

E quando você sabe o significado das palavras é melhor ainda. Se paradoxo é uma afirmação aparentemente verdadeira que leva à contradição ou situação que desafia a intuição; e paradigma é um modelo de visão de universo; paradoxo paradigmático é uma apropriada aproximação do conceito de vazio. Simplesmente porque o hominídeo não pode perceber o vazio. Não dá tempo – ele morre antes. O vácuo que, por definição, é um volume de espaço vazio em matéria, pode ser filmado por robozinhos de zilhões de dólares, mas não pode ser inteiramente percebido. E tudo aquilo que não pode ser percebido, não tem lugar no modelo mental dos príncipes da cadeia alimentar. Especulações matemáticas são válidas. Entretanto, não passam de aproximações inúteis e vagais. Tão superficiais quanto uma explicação mitológica. É, pelo menos mitologia é só mitologia e não tem a pretensão de se vangloriar com o título de verdade exata e absoluta. A mitologia sabe que não é exata e aceita isso. Já a matemática... ham-ham... esquece, vamos à história.
Voltando. No meio existia o vazio. Só o vazio. Aí então, em algum momento distante, no passado, no futuro, ou no meio... ou em todos d’uma vez, o vazio aconteceu de preencher. Quê? É, pois é. Eu também não entendi muito esta parte. Na verdade não entendi picas. Mas como fazem na astronomia, pula essa parte que a gente não consegue compreender muito bem. Depois, se algum dia alguém entender, esse alguém reescreve este texto ou nomeia alguns fragmentos de Ceres e Eris pra não ter que desclassificar o pobre do Plutão. Afinal, a nossa Ciência tem se tornado mais flexível com os avanços da quântica, dos quarks, com a mudança de paradigmas, exposta por Thomas Kuhn e com o campeonato do Brasileirão. Não, futebol ultimamente tá dando mais rolo do que coreano falsificando clonagem. Tira a parte do Brasileirão. Não queremos nenhum assassinato. Então, quando o vazio aconteceu de preencher, houve, há e haverá supernovas. Um grande kabadababoom. Mas infelizmente ninguém estava lá para ouvir ou gravar, o que nos leva a crer que de qualquer forma não seria tangível. Digo, além do fato agravante de que o som não se propaga no vácuo. O vazio aconteceu de preencher por inflação caótica. E, não, não, isso não tem nada a ver com Economia. A inflação caótica é um fenômeno que modela a inflação cósmica, que por sua vez é a idéia de que o universo nascente passou por uma fase de expansão exponencial conduzida pela densidade de pressão negativa da energia do vácuo. Ou Grande Estrondo, se preferir. Não que você precise acreditar, mas foi o melhor que a Física conseguiu até hoje, depois de redescobrir que a terra é redonda. Se bem que ela está mais para elipse. Mas, enfim, o Big Bang. E através desse processo, o vazio tomou forma. Mas, como tomar forma, se é vazio? Se tomou forma, deixou de ser vazio! Tsc, tsc, pobre lógica aristotélica. Foi assim que o vazio enganou todo mundo. O vazio é tão vazio que se permite conter e estar contido em tudo. E também no nada.
Então, o vazio transformou-se naquilo que chamamos cosmo, ou universo manifesto. Mas não se limitou a isso. Assim, começou a criar interações cósmicas entre matéria, energia, antimatéria e energia negra, e de todas elas com o vazio. Estrelas nasceram e morreram. Ou nascem e morrem. Tanto faz como tanto fez. Apenas colocamos no passado por conveniência lingüística. Planetas surgiram. E dentre eles, o mais belo. Tão belo, mas tão belo, que colocar este adjetivo no gênero masculino o torna feio. Bela! Bela é a Terra. Ô planetinha gostoso. Praticamente um orgasmo físico, químico, biológico e filosófico. Mas, não, a Terra não foi sempre bela. Um dia e uma noite ela foi o próprio inferno. Tão quente que mal chovia e já evaporava. Tão agressiva ao frágil ser humano quanto algumas doenças que certos saxo-descendentes andaram desenvolvendo na África como armas biológicas. Sim, saxo-descendente é o termo mais politicamente correto, definido pela ONU, para comedores de dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial, cebola e picles num pão com gergelim. Por exemplo, brasileiro é luso-descendente. Peruanos são inca-descendentes. Particularmente acho burro o termo afro-descendente, porque se Darwin e a antropologia estão corretos, somos todos afro-descendentes.

Resumindo, a Terra era um ambiente hostil. E permaneceu assim por muito tempo. Imagine muito tempo e multiplique por enelhões de anos. Essa é a conta. Logo... hahaha... “logo”. Só na literatura mesmo! Mas... logo a fogosa mãe foi se resfriando até mostrar-se peculiarmente fértil. Vou pular o paleolítico, o neolítico, a idade do bronze e o holoceno, direto pra idade do ferro.
Não, não, vou além. Estamos na Mesopotâmia. Terra entre hipopótamos. Digo, entre rios. Tigre, Eufrates e Saddam Hussein. Os saggiga, cabeças-pretas em sumeriano, inventaram a escrita para cultivar o ócio e escreveram tudo isso que está aí pra cima. Foram os primeiros a escrever sobre o vazio. E chamaram-no Tiamat, o grande dragão do caos. Ou, melhor, chamaram-nA. Tamanha criatividade só pode vir de uma fêmea. É o que indica o “t” no fim da palavra. E assim recontaram o choque de Nibirú contra a Terra, que formou a Lua, et cetera e tal. Aí, acelerando a fita alguns segundos, os Babilônios desrespeitaram os seus ascendentes (muito natural na raça humana) e decidiram recontar a história. Contar melhor. Como se sua escrita mais evoluída e engenharia promissora pudessem lhes relegar a posição de quem presenciou os fatos. Então, com suas mentes já corrompidas pelos amoritas, eles resolveram destronar Enlil e colocar Marduk em seu lugar. Mais ainda, igualaram Marduk a Nibirú e narraram o choque planetário como sendo  derrota de Tiamat pelo primogênito mimado de Enki. Acontece que o pobre Marduk não derrotou Tiamat. Ninguém poderia fazê-lo.

Pobres xisavôs. Esqueceram-se de que não foi o homem que deu forma ao vazio, e sim o inverso. Esqueceram-se por que a memória sempre perde a batalha para a pretensão. Sim, a pretensão. O pior pecado e a maior das qualidades humanas. A Pretensão. Não sabemos ao certo se essa foi uma herança do Neanderthal ou se veio nos quase 2% de DNA Anunnaki. Entretanto, a pretensão é um fato. Um fato bastante humano, que costumamos compartilhar com alguns exemplares do gênero Pan. Um chimpanzé, um bonobo e um homem são igualmente pretensiosos. Basta observar por algumas horas nossos priminhos encherem o saco de um sonolento leão embaixo da única árvore da savana. Por que encher o saco de um animal que está quieto e que pode te comer?
Não precisa perguntar ao macaco – um homem pode te responder. Então, driblando a célebre sapiência do sapiente homo sapiens sábio, o vazio continuou permeando a matéria, a energia e contendo tudo. E para ensinar sobre si aos homens, nada melhor do que possuindo-os e comunicando-se com eles. Ainda que o fato da linguagem ser limitada dificultasse a abstração de tentar se comunicar com o vazio. Entretanto, perseverante que é, o vazio não desanimou. Tomou líderes políticos, religiosos, teóricos e revolucionários, tornando-se quase uma característica genética.
Na China fora – e ainda é – contemplado como Hun Tun. Segundo Zhuangzi, o Rei do Mar do Norte foi se encontrar com o Rei do Mar do Sul justamente na casa de seu amigo Hun Tun. Conversando, concluíram que Hun Tun era muito amável. Não sabiam o que fazer para retribuir tamanha amabilidade. Então o Rei do Norte disse ao Rei do Sul: “todos os homens têm sete orifícios na cabeça, com os quais eles vêem, ouvem, cheiram e saboreiam. Somente o pobre Hun Tun não os tem”. Então, decidiram fazer uma abertura por dia na cabeça de Hun Tun. Ao sétimo dia, Hun Tun morreu. Interessante esta interpretação. Aparentemente Hun Tun morreu quando seus amigos tentaram “ordená-lo”. Sete dias, uma semana, meses e anos, olhos, ouvidos, boca e nariz, calendário, adequação, padronização – sistemas ordenados que aparentemente cessam o caos. Hun Tun pode ter morrido, mas o vazio não morreu com ele.
O vazio nunca morreu. Na Grécia, teve seu gênero interpretado como feminino. Éris, filha do Tempo e da Noite. Segundo Hesíodo, ela trouxe aos gregos o trabalho, o esquecimento, a fome, dores, lutas, assassinatos e carnificinas, discussões, mentiras e desinformação, disputas, desordem, falsos juramentos e ruína. Enfim, um pouco de tempero à pacata vida helênica. Foi surrupiada pelos romanos, que não sabiam criar os próprios deuses, e chamada de Discórdia. Isso sem falar do deus Caos grego. Virou Set no Egito e depois Ahriman na Pérsia. Nanã na África. Não necessariamente nesta ordem cronológica. Logo, uma meia dúzia de rabinos resolveu chantagear Constantino I e usar de sua influência econômica para conspirar contra a vastidão de possibilidades até então proporcionada pelo vazio. Apesar de Constantino ter morrido pagão, o monoteísmo foi imposto e consolidado pelo império romano. Aí, pronto. Novamente, por pretensão, esquecendo o caso babilônico, o homem quis destruir o vazio. De fronteira a fronteira do vasto, mega, ultra, enorme, titânico e gigante império, o monoteísmo veio tirar o desfruto do vazio. Nem Asterix e Obelix puderam evitar. E também a Celtibéria, a Gália, as Anglas Terras e Éire, onde o vazio era personificado por Brigit, a deusa tríplice, pereceram diante da estagnação trazida pelos fiéis. O vazio foi rotulado com a palavra hebraica satã – inimigo.
“Tempos difíceis estes!” – Pensavam os discípulos do vazio. Mas não por muito tempo o controle os impediu de praticar suas vaziíces. Como num passe de mágica, o império desabou. Mais ou menos como tem acontecido com os saxo-descendentes do norte desse nosso continente aqui. Pouco mais de dois milênios antes, um príncipe indiano, que percebeu na pele sozinho os efeitos do Tao – simultaneamente com Lao Tse, mas sem nunca ter ouvido falar em taoísmo – ensinava a seus discípulos como acessar o vazio. Logo, o vazio começou a se recuperar do império romano, silenciosamente, a partir do oriente. Então interveio o Iluminismo ocidental. O clero já perdia forças quando o vazio foi queimado em diversas fogueiras. Anos mais tarde, os agentes do anti-vazio trataram de inventar um método empírico de afastar os efeitos do vazio. Pobres mortais. Não poderiam suspeitar que mais tarde o próprio vazio usaria tal método para desmascará-los. Por fim, o vazio foi tomando cada vez mais corpos, adeptos, mentes, grupos, seitas. Populações inteiras. Em seguida, começaram a pegar pesado. Tentaram extirpar o vazio da alma dos homens a partir de sua cultura sócio-econômica. Com a inovação da produção em série, apressaram-se em preencher o vazio das pessoas com produtos de consumo. E em resposta, o vazio transformou o consumo destes produtos em uma ação sem sentido. Uma ação vazia.

Uma ação do Vazio. Entretanto, os incansáveis agentes do não-vazio financiaram avanços tecnológicos para dar sentido ao consumo e tentar repelir o vazio novamente. A cada batalha, conseguem ser bem sucedidos. Mas nunca vencem. Na Inglaterra veio Aleister Crowley. E depois Austin Osman Spare. Enquanto isso, a Rússia era dominada pelo vazio que possuía Rasputin. Migrando para a Alemanha, possuiu o tio Adolfo. Todos influenciados pelos teosofistas que, sem perceber, aliaram-se ao vazio.E o vazio foi respondendo. Exponencialmente. Igual à inflação caótica do cosmos. Tempos depois foi a vez das mulheres. E também dos homossexuais. O vazio evolucionou e revolucionou, reestruturando o paradigma do homem pós-segunda guerra. Então o mundo conheceu uma das maiores façanhas do vazio: o rock n’ roll. Aí vieram os beats, os hippies e todo o resto você já conhece. Se não conhece, deveria conhecer. Malaclypse, Peter Carroll, Sherwin, Robert Anton Wilson, Frater U.:D.:, Raul Seixas, Thomaz Green Morton, aquele nerd que tava na sua classe na quinta série... víxe, a lista é longa.
Bom, não foi minha intenção mediocrizar a história da vida, do mundo, do universo e tudo mais num stexto de internet. Na verdade, não houve uma intenção. O que me moveu foi o vazio. É, isso mesmo. Haver, houve. Houve uma intenção. Só que não suficientemente tangível. Uma intenção vazia. Um vazio. Como aquele vazio da meditação. E como o vazio do não-pensar e do não-agir taoístas. Um vazio gnóstico. Ou agnóstico. Enfim, foi só um texto do ponto de vista do vazio para explicar como o vazio criou tudo e mantém tudo onde está, além de mudar tudo quando lhe dá na telha. O Caos é mais ou menos assim. Vai possuindo um a um, até chegar ao número de simbiontes que deseja. Depois brinca e deixa seus inimigos vencerem uma ou outra batalha. Mas sempre ganha e se vinga no final. E, cuidado, o próximo a ser possuído pelo vazio pode ser você.

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